Papel da Abranet é contribuir para a regulamentação responsável
Eduardo Neger é o atual presidente da Abranet
A internet discada é a referência da internet comercial no Brasil – e também no mundo. Mas, antes disso, ela já estava, ainda que de modo embrionário, no meio acadêmico. No Brasil, quem fazia a gestão da internet, logo no começo, era a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que gerenciava a rede para as três grandes universidades paulistas: a Unicamp, a USP e a Unesp. “Eu tive a felicidade de acompanhar um pouco essa internet no começo, a internet acadêmica, porque, então estudante de Engenharia na Unicamp, eu tinha acesso a esse tipo de conexão”, relatou Eduardo Neger, atual presidente da Abranet, em entrevista em vídeo para o especial de 25 anos da associação.
Neger lembra que, à época, o ambiente era extremamente hermético, com conversas pautadas por protocolos e conteúdo acadêmico, ainda restrito a uma comunidade bastante pequena. “Era interessante, porque você tinha relação de confiança. Na sua origem, a internet era um ambiente de troca de informação acadêmica, então, ninguém se preocupava em fazer um negócio super seguro, super rastreável”, contou Neger.
Quem tinha e-mail, naqueles anos, estava ligado ao meio acadêmico. Mas havia também os entusiastas da rede que usavam as BBS. “O [Aleksandar] Mandic, que faleceu recentemente e foi um dos fundadores da Abranet, era líder nesse tipo de aplicação, e vários outros colegas também tinham as BBS, faziam essas trocas de informações através da internet discada.” Já para a população em geral, os primeiros contatos se deram por meio de mensagens e de conteúdo jornalístico.
Depois de instituída, a internet teve um impacto avassalador. Ela transformou diversos setores, desde a relação com as correspondências, o consumo de notícias, a maneira de interagir com amigos e o comércio.
Entidade plural
A Abranet, frisou seu atual presidente, se propõe a ser uma entidade que congrega a cadeia de valor da internet do Brasil, com empresas provedoras de conectividade, de conteúdo, de hospedagem, de comércio e todo o ecossistema. Por quê? “Porque lá atrás, quando tudo começou, internet era uma coisa só, você não tinha essas especializações e esses desmembramentos. Mas o desenvolvimento só ocorre quando esse ecossistema todo roda junto”, justificou Neger.
Hoje, a entidade congrega pautas diversas. Por exemplo, tem um papel muito importante relativamente às empresas de meios de pagamento, que surgiram com a viabilização do comércio eletrônico e, atualmente, estão praticamente rivalizando com bancos. “Hoje, há discussões desde criptoativos, criptomoedas, moedas virtuais, banco digital; e toda essa nova discussão, que é um trampolim para o futuro do mercado financeiro, derivou dessa questão dos meios de pagamento no comércio eletrônico”, explicou o presidente da associação.
O exemplo das empresas de meios de pagamento mostra a transformação da Abranet ao longo dos anos, a reboque da expansão de atuação dos próprios players oriundos da internet. “O perfil das empresas de internet mudou bastante, e na Abranet é interessante, porque a gente sempre se surpreende com o tipo de associado que vem para a entidade. A beleza da entidade e a força que a gente percebe em todos esses anos vêm do conjunto heterogêneo de empresas que dela fazem parte e como elas interagem, o desenvolvimento de negócios que essas empresas têm”, ressaltou.
Desta forma, a Abranet passou a agregar diversos tipos de empresas. “Cada segmento pode ter as suas questões regulatórias específicas, mas quem é usuário dos serviços de telecomunicações tem serviços regulados pela Anatel. O segmento de meios de pagamentos cresceu muito nos últimos anos e é extremamente promissor. Está vinculado ao mercado financeiro, então, tem um diálogo com o Banco Central. Nós trabalhamos com mundos diferentes, mas o caráter disruptivo da internet acaba valendo para todos”, destacou.
Para Neger, diante dessa diversidade, o papel da Abranet é apoiar empresas dentro de todos os segmentos e também ajudar no processo legislativo, porque, muitas vezes, o legislador não tem conhecimento técnico aprofundado do impacto que a legislação pode gerar no setor.
Desafios a vencer
Em um contexto no qual a internet está sempre provocando disrrupções, foram muitos os desafios enfrentados pelas empresas do setor. “A internet sempre vai pegar um mercado convencional que já existe e está estabelecido e literalmente virá-lo de cabeça para baixo. Olha o que aconteceu, por exemplo, com as mídias, com o mercado jornalístico, com os vídeos sob demanda. Em um primeiro momento, os grupos empresariais dominantes tentam de tudo para brecar esse tipo de coisa, para não perder mercado. A internet, por excelência, tira a intermediação, e isso reduz o custo”, explicou Neger, acrescentando que na internet a barreira de entrada é pequena e tem potencial de escalonar de maneira exponencial.
Ao longo dos anos, o setor evoluiu e as empresas se fortaleceram a ponto de ISPs abrirem capital na B3. “Quando é que a gente ia imaginar que aquelas empresas locais que faziam atendimento, que entraram em um nicho específico que não era atendido pelos grandes operadores, teriam um nível de governança e de organização para conseguir estar qualificado para entrar na Bolsa? Entrar na Bolsa não é só porque é grande ou porque tem um faturamento alto e tudo mais; para conseguir fazer oferta pública de ações, você tem que ter um nível de auditoria e de governança interno extremamente organizado”, pontuou Neger.
A questão do financiamento tem sido um embate para o setor, uma vez que muitas empresas que fazem a conectividade no interior do País não têm acesso a linhas de crédito. “É um setor diferente do convencional, de uma fábrica ou de uma outra atividade em que você pode dar como garantia a um empréstimo um imóvel, um veículo. Quando você está falando de tecnologia, de compra de fibra óptica, de dispositivos, primeiro, tem um prazo de vida bastante curto para fins de financiamento, eles não podem entrar como garantia. Então, o acesso ao crédito sempre foi um limitador para esses operadores de telecomunicações.”
A abertura de capital possibilita aos ISPs conseguir capital no mercado. O presidente da Abranet espera ver, nos próximos anos, mais crescimento dessas empresas, mais aquisições e com acesso a capital.
Futuro
Diante de tantas transformações, o que é necessário fazer hoje para construir a internet de amanhã? E o que esperar para os próximos 25 anos, tanto da internet quanto, principalmente, da Abranet? Para dar essa resposta, Eduardo Neger voltou aos primórdios da internet, quando as pessoas começaram a entender de que se tratava e a rede mundial passou de ser exclusiva de especialistas, de entusiastas e de acadêmicos para fazer parte da vida cotidiana. “A mobilidade da internet possibilitou uma série de novas aplicações. É interessante a gente dizer que a banda larga fixa é fundamental, mudou o patamar de velocidade, mas a mobilidade também mudou o patamar das aplicações. A internet deixou de ser dos lugares e passou a ser pessoal. Hoje, você tem um hall de aplicações e, dificilmente, alguém passa algum dia da vida sem se conectar à rede e sem usar algum tipo de serviço de algum associado da Abranet”, ressaltou.
Neger enfatizou ainda que, para constatar a importância da Abranet, basta pensar na importância dos associados para a sociedade. Mas apontou que ainda há desafios a vencer, a começar pela conectividade chegando a diversos lugares no interior do País. “Mas a ideia é que a gente tenha a internet ubíqua, quer dizer, a internet estará sempre presente em todo lugar, o tempo todo, como a gente tem hoje, por exemplo, com energia elétrica. A gente chega em casa e acende a luz, e ninguém tá pensando onde ela foi gerada. É o que está acontecendo com a internet de maneira geral; qualquer lugar em que eu esteja tenho que ter a minha conexão móvel ou fixa para usar as minhas aplicações. É o normal, é o novo essencial na vida das pessoas”, completou.
O que vai acontecer daqui para frente estará ligado à expansão e à ubiquidade da rede. “Tudo que a gente viu em relação a pessoas vai migrar para objetos, a tal da Internet das Coisas. Em vez de a gente ter interações nossas, pessoais, através da rede, os dispositivos os objetos que a gente usa no dia a dia vão passar também a ter essa conectividade”, explicou. Hoje vários dispositivos têm conectividade, porém, a grande virada de chave vai ser quando IoT ganhar escala e se tornar padrão. “Arrisco a dizer que, daqui a uma década, vai ser muito difícil comprar uma escova de dentes que não tenha conexão à internet embutida nela, porque não fará sentido não ter isso, vai ser default. Ela vai estar conectada e vai ter algum tipo de interação, por exemplo, vai sinalizar para o seu dentista se tem algum tipo de problema, vai monitorar, vai dar um histórico; e isso vale para todos os objetos. A geladeira vai ter a integração com o comércio eletrônico para repor o que você tem dentro, a máquina de lavar roupas vai falar com a concessionária de energia elétrica para operar em um horário em que a energia é mais barata, para otimizar os seus gastos”, disse, apontando ainda que o 5G, com maior velocidade de conexão e menor latência, além de possibilitar uma enorme quantidade de dispositivos, será impulsionador da Internet das Coisas.