Publicada em: 11/10/2022 às 14:40
Artigos


Redes neutras: um novo modelo de negócio que veio para ficar
Por Hermano Pinto*

Desde o longínquo dia 29 de novembro de 1879, quando foi inaugurada por D. Pedro II a primeira linha telefônica no Rio de Janeiro, a partir do Palácio de São Cristóvão, foram lançadas as bases para um serviço centrado no acesso ao assinante. As primeiras décadas do mercado de telefonia foram dominadas por uma ampla gama de empreendedores privados, construindo suas próprias redes e atendendo a grupos geográficos de assinantes próximos.

O adensamento dos centros urbanos e a crescente demanda pela comunicação interurbana tornaram a indústria ainda mais capital e intensiva em face dos elevadíssimos volumes de investimento em redes físicas de cabos, centrais e sistemas de transmissão, e que aos poucos passaram a configurar o chamado “monopólio natural da telefonia” – fossem eles privados ou públicos.

A partir de meados dos anos 1980, o mecanismo de privatização e desregulamentação toma força em todo o mundo como um novo paradigma do papel do Estado na atividade econômica e como um dos instrumentos auxiliares no processo de elevação da eficiência global da economia. As inovações tecnológicas e a maturidade do mercado consumidor acabariam impondo os padrões específicos, que no Brasil se traduziu pela universalização do serviço de telefonia fixa como meta principal.

Ainda que a internet fosse discada e a digitalização dos serviços engatinhasse, o debate sobre as regras para a desagregação e interconexão de redes ganhavam corpo, com modelos diversos adotados por reguladores de vários países, face à realidade inconteste dos pesados investimentos em infraestrutura, muitas vezes em áreas de baixa atratividade econômica.

Contudo, a evolução da internet em termos de adensamento e capilaridade de banda larga fixa ou móvel quebrou o paradigma centenário do “controle do assinante”, uma vez que o cliente passou a ter acesso a serviços de voz ou vídeo diretamente de provedores não detentores de redes. Desde então, o reequilíbrio de forças na competição e/ou cooperação entre CSPs (as operadoras) e OTTs (Google, Facebook, WhatsApp etc.) continua ainda atual, tendo sido pauta do MWC de Barcelona deste ano.

Há operadoras ao redor do mundo que continuam considerando os investimentos em infraestrutura estratégicos para a restrição à concorrência através do “controle do assinante”, mas as pressões de acionistas pelo retorno do capital investido e também dos clientes em termos da experiência percebida, têm tornado o uso compartilhado de ativos quase inevitável. Não menos importante é o cumprimento de metas de inclusão digital e de obrigações de cobertura, que impõem o compartilhamento para a sua viabilidade econômica.

Da mesma forma que as telecomunicações criaram o conceito de “carrier of carriers” nos anos 1990 (a COLT de Londres foi pioneira), a denominação de “operadoras de redes neutras” é uma atualização e ampliação deste conceito de infraestrutura como um serviço, mais do que bem-vinda no contexto de competição e ampliação de serviços para milhares de PPPs (ou ISPs) em que estamos inseridos.

As redes neutras são redes vivas, dinâmicas e ativas. Se pudermos usufruir de suas vantagens em toda a plenitude, a população do “Brasil continental” será beneficiada com serviços de qualidade a preços regulados pelo livre mercado. Fica claro que se trata de um novo modelo de negócios em que todos os players têm a conveniência de serem parceiros em vez de concorrentes de modo a acompanharem a crescente velocidade das gerações tecnológicas, evitando a sobreposição de investimentos em redes similares. Ao mesmo tempo, promovem a sua diferenciação por meio do relacionamento com o cliente e dos serviços prestados.

Se de um lado as redes neutras abrem oportunidades para novos entrantes e a criação de empresas nacionais de nicho, as operadoras tradicionalmente estabelecidas, sejam elas grandes ou pequenas, têm uma grande oportunidade de ampliar o valor agregado de suas soluções a partir do foco no desenvolvimento e agregação de serviços desenhados para a satisfação das demandas de seus clientes. Além disso, abrem oportunidades de novas fontes de receitas em termos de consultoria e integração.

A chegada das operadoras de redes neutras abre um novo panorama de avanço da transformação digital, de popularização do acesso na última milha, além dos serviços como, por exemplo, os ambientes de metaverso – próximas demandas que dependerão de investimento pesado em infraestrutura. Novos entrantes são apropriados nesse contexto, já que se tornam aliados das prestadoras já consolidadas para venderem seus serviços “alugando” a capacidade necessária de rede. Todos ganham com maior previsibilidade, uso eficiente de recursos e ampliação da oferta de serviços aos clientes finais.

O 5G já uma realidade no Brasil, porém toda a sua potencialidade irá depender de uma infraestrutura de torres/antenas, energia e fibras extremamente densa e flexível dentro do dinamismo e da morfologia mutante de um país em crescimento como o nosso, impondo novos parâmetros de planejamento na engenharia de redes. Não podemos acreditar na rede 5G – e posteriormente 6G – sem estas projeções de ampliação da conectividade.

A neutralidade seria, então, um dos fatores fundamentais para o avanço da transformação digital. Mas devemos lembrar que os detentores das redes neutras devem ter como base a neutralidade de fato. Ou seja, tenham a visão de que todos os prestadores de serviços são clientes iguais, independentemente do seu porte, sem prioridades e com colaboração mútua. As redes neutras têm outro aspecto muito positivo, que é viabilizar a conectividade ainda dentro do emaranhado e dificuldades das diferentes legislações, desde a federal, passando pelas estaduais e esbarrando nas municipais de 5,5 mil cidades para instalação de antenas, passagem de cabos e outras características inerentes à infraestrutura.

Se ainda não há consenso de que o compartilhamento das redes é vantajoso para a disseminação ampla e acelerada da transformação digital, esse é o momento de refletir. Nem podemos quantificar as inúmeras possibilidades que vêm pela frente. A criatividade é o limite para a concorrência. Clientes corporativos, indústria e população serão tão beneficiados quanto os prestadores de serviços e fornecedores de soluções tecnológicas.

(*) Hermano Pinto é diretor do Portfólio de Tecnologia e Infraestrutura da Informa Markets, responsável pelo Futurecom. A edição 2022 será realizada presencialmente, de 18 a 20 de outubro, no São Paulo Expo.


Powered by Publique!